Pra quem somava tantos altos e baixos, e que não conseguia nem de longe reprisar seus momentos de destaque nos antigamentes, Steven Spielberg necessitava urgentemente aproveitar alguma oportunidade em sua plenitude.
Aliar
seus esforços a Peter
Jackson, que após a
franquia Senhor dos Anéis
também não havia
encontrado algum novo estrondoso sucesso, era uma ideia interessante
e que prometia uma reviravolta nesse quadro incômodo para ambos os
cineastas.
A
clássica Historia em Quadrinhos criada pelo belga Hergé
estava na mira dos dois fazia algum tempo, até que foi oficializado
este longa-metragem que seria a primeira de duas partes no cinema,
revezando os estilos de direção de ambos os cineastas.
No
primeiro filme, era a vez de Spielberg
ficar no comando, dirigindo
enquanto Peter Jackson
ficava na produção executiva.
A
técnica escolhida, a captura de movimento, um dos recursos
cinematográficos mais exaltados ultimamente, nem assim deixou de
gerar controvérsia.
Por que não filmar um live-action, investindo em maquiagem estilosa convertendo os atores nas criações que surgiram nas histórias em quadrinhos, depois fazendo sucesso também nos desenhos animados, assim talvez buscando inspiração no que foi uma das maiores qualidades do “DickTracy” (1990) dirigido por Warren Beatty?
Por que não filmar um live-action, investindo em maquiagem estilosa convertendo os atores nas criações que surgiram nas histórias em quadrinhos, depois fazendo sucesso também nos desenhos animados, assim talvez buscando inspiração no que foi uma das maiores qualidades do “DickTracy” (1990) dirigido por Warren Beatty?
Spielberg
responderia a pergunta da
única forma que funciona, e que poderia ser conferida assistindo o
filme.
Tintin
demora minutos
aparentemente intermináveis para ter seu rosto enfim apresentado à
plateia, mas quando isso acontece, ninguém tem dúvida de que aquela
será uma representação ao menos visualmente digna e fiel do
jornalista de topete ruivo.
O
jornalista intrépido visto nos quadrinhos encontra na atuação de
Jamie Bell (eternamente vinculado ao papel de “Billy
Elliot”) algo que o faz
ser convincente mesmo com as camadas de ilusão que o filme possui, sendo
uma releitura digital, de uma interpretação live-action, de duas historias em quadrinhos do personagem: "O Caranguejo das Tenazes de Ouro" e "O Segredo do Licorne".
Quanto
a Spielberg,
sua obrigação era manter o interesse inicial de homenagear a HQ de
Hergé
sempre em segundo plano.
Afinal,
ainda que seja compreensível o propósito de um fã, exagerar nesse
ponto poderia facilmente resultar em um “Superman
Returns” (2006), e não
exatamente em um sucesso comercial garantindo o prosseguimento da
franquia.
Mesmo
a investigação iniciada com a aquisição da réplica do navio
Licorne prossegue sempre frenética, em meio a vilões, perseguições,
capangas, tiradas cômicas e novas respostas sendo somadas para levar
Tintim sempre em busca de futuras pistas.
O
estilo Indiana Jones
que faltou a “Indiana
Jones, e O Reino da Caveira de Cristal”
(2008) é aqui mimetizado beirando a perfeição.
A
fórmula de entretenimento do diretor parece enfim ter sido
reencontrada, e na despretensão da trama reside o seu ponto forte,
ao desenvolver elementos que aparentemente serão fator inofensivo,
de modo que ao assistí-los a surpresa não se faça necessariamente
pelo que resultará em seu desfecho, e sim pelos vários momentos que
irão compor minutos que passarão voando em ação ininterrupta.
Interessante nisso é que, falando assim, As Aventuras de Tintim poderia soar um tanto Michael Bayano, mas a diferença está no enfoque, o qual nesse salutar Sessão da Tarde ganha mais pelo desenvolvimento e interação dos personagens em contextos absurdos do que pelos efeitos especiais e pirotecnia por eles propiciada.
Não
fosse tão carismática a maneira com que Tintin,
em sua curiosidade quase obsessiva, e o
Capitão Haddock (dono de
várias das melhores cenas do filme) constroem a camaradagem que irá
nortear o futuro de aventureiros que os aguarda, o longa-metragem
seria mais um de correrias intermináveis e barulhada propícia pra
dormir com fone de ouvido acordando pra ver a reviravolta no final.
E
mesmo que a polêmica relacionada ao uso do captura de movimento
possa ter se prolongado mesmo após o fim da sessão, isso não
desfaz a competência com que a técnica foi empregada, resultante em
um visual impecável, que além de tudo funciona trazendo um meio
termo entre as cores das HQs, e o que poderia ser encontrado se o
filme fosse uma adaptação convencional em live-action.
Além
de que, a estilização do visual serve à maior fidelidade com os
quadrinhos, não apenas na aparência dos personagens, mas também no
diálogo com a origem na mídia impressa e também com a série de
desenhos animados.
Claro
que a inventividade de
Spielberg encontraria
formas de utilizar as liberdades do recurso à sua disposição nas
sequências de ação, e não são poucas as vezes em que o cineasta
acerta completamente em perseguições sensacionais, que ligam cada
nova descoberta do protagonista ao próximo anti-clímax para algum
plano-sequência eletrizante.
Assim, felizmente, o filme consegue intensidade mesmo nas cenas de ação de final conhecido, tendo nas ideias um fator primordial para a imersão nessa produção aventuresca misturando realismo e estilização.
E
além de tudo isso, é imprescindível que eu destine o devido
parabéns a Andy Serkis por
mais um trabalho irrepreensível que demonstra o seu domínio de
interpretação que faz com que cada novo personagem que conte com
sua interpretação para a posterior transformação digital seja
sempre algo novo e rico em detalhes, seja o King
Kong (2005), o
Gollum da franquia Senhor
dos Anéis, ou César
em Planeta dos Macacos: A Origem (2011).
Some-se
a isso a presença de coadjuvantes com atuação de Daniel Craig, e a dupla sempre entrosada Simon Pegg e Nick Frost
que aproveitam bem seus minutos em cena, para ter uma obra cheia de
motivos para ser assistida.
Sem a promessa de revolucionar isso ou aquilo, ou a exigência de abocanhar prêmios no Academy Awards (ainda que o Globo de Ouro de melhor animação não tenha lhe escapado), e alheio à briga entre abordagens diferentes tão corriqueira em se tratando de cinema de HQs, Steven Spielberg realizou um filme de fã, com o esmero técnico inerente à sua filmografia.
E
se em outras tentativas sua identidade autoral repleta de imaginação
acabou apagada pela megalomania e pretensão, desta vez a qualidade
de seu trabalho parece estar presente exatamente no entendimento de o
que seu próprio estilo de cinema deveria ser ao contar o início da
vertiginosa jornada de
Tintim, demonstrando que
ele parece ao menos desta vez ter reencontrado a sintonia com o
cinema-pipoca o qual ele ajudou a definir em décadas passadas,
caracterizado pelo investimento de um ingresso em diversão simples
mas não pouco elaborada, pra ser vista na maior tela possível, com
o som mais alto possível.
Dessa
forma, após o criativo embate final com o vilão, e o gancho para o
segundo filme, o diretor não apenas deixa o caminho pronto para
Peter Jackson, mas acima de
tudo mantém o nível de dificuldade alto.
Um
desafio pra Peter Jackson,
e um privilégio para a plateia assistir.
Quanto
vale:
As
Aventuras de Tintin
(The Adventures of Tintin)
Direção:
Steven Spielberg
Duração: 107 minutos
Ano
de produção: 2011
Gênero:
Aventura
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